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Introdução
Inle Lake está localizado na parte nordeste de Myanmar, no estado de Shan. Embora nesse estado haja uma maioria étnica do povo Shan, as comunidades ao redor de Inle Lake são conhecidas por pertencerem ao grupo étnico Intha. O lago tem cerca de 116 km² e fica a 800 m de altitude - segundo mais alto de Myanmar - o que sem dúvida dá um alívio aos viajantes que acabaram de chegar tostados de Bagan. Na região moram cerca de 70.000 pessoas dentre as pequenas cidades em volta e vilas próximas ou sob o lago.
Chegada
Dada a recomendação de vários fóruns e viajantes não arriscamos um ônibus entre Bagan e Inle Lake pois além de poder demorar algo de 15-18h o resultado ainda poderia ser imprevisível dadas as condições das estradas. Optamos então por voar via Air Mandalay e saímos em torno de 7h de Bagan chegando 8h30 em Heho, com escala em Mandalay.
Heho é o aeroporto mais próximo de Inle Lake e fica a 35 km de distância. Logo que chegamos encontramos um britânico - com algums histórias interessantes - e que também queria ir para o lago. O táxi custou K 25.000 e quando você chega "lá", não é bem "lá" pois a área dos mochileiros com hotéis e comida barata é em Nyaung Shwe, que fica perto mas não no lago de fato.
Fomos direto para a 'guesthouse' Mingalar Inn devido a recomendações de um amigo. Por US$ 18/noite pegamos um quarto duplo c/ ventilador, banheiro privado e um excelente café-da-manhã. A/C parecia não ser necessário aqui. Além disso, a dona da 'guesthouse' arranjou todos os nossos passeios com preços que pareciam ser razoáveis. Havia muitos depoimentos de pessoas recomendando o lugar e inclusive de outros brasileiros.
Mapa da região de Inle Lake Nyaung Shwe fica na parte norte à direita Fonte: RoadtoMandalay |
Biking
De ambos os lados, leste e oeste, era possível ver mais plantações de tomate, geralmente cheio de estacas de madeira, muito verde embaixo e algumas casinhas feitas de bambu.
Depois de uns 40 min nossa comida ficou pronta e tivemos um excelente almoço, talvez o melhor da viagem toda. O prato era macarrão branco fino feito de arroz, misturado com salada, amendoim e outros temperos e uma sopa pra misturar. De sobremesa tivemos um tipo de bolo, biscoitos de trigo e manga. Foi muito bom!
Um dos passeios mais comuns pros recém-chegados ao lago é seguir de bicicleta na direção oeste, descer um pouco ao sul completando 11 km, pegar um barco para fazer a travessia do lago até o lado leste e seguir um pouco ao norte a tempo de ver o pôr-do-sol. Isso seria uma espécie de 'quadrado'.
Alugamos as bikes por K 1.000 cada e saímos por volta de 10h da manhã. O começo da jornada era basicamente campos de arroz dos dois lados.
Na estrada de terra vimos muitas motos, alguns carros e caminhões velhos - tratores eram os 'carros' mais comuns - e vez ou outra alguns nativos andando e carregando coisas. Esse jeito de carregar as coisas com uma viga de bambu equilibrando-se é comum também no Camboja e no Vietnã.
No caminho descobrimos que não éramos os únicos e vimos alguns turistas também fazendo o mesmo circuito de bicicleta. Havia algumas subidas e as nossas bikes definitivamente não foram feitas pra subir nada e o jeito era carregar a maior parte do tempo. Chegamos a encontrar um templo no topo de um morro mas nada em especial. O sr. Bart e o seu medo por cachorros foram uma diversão/emoção extra na estrada - que estava cheia de cachorros.
Depois de uma curva em subida, vimos um conjunto de restaurantes bem simples e como já estávamos com fome paramos pra almoçar. O prato mais tradicional da Ásia fried noodles/fried rice custava K 1.500 e por K 500 cada pedimos duas saladas de tomate, indicada pela dona da nossa 'guesthouse'. Não sei dizer se é pelo tomate em si - que é uma das especialidades da região - ou pelos temperos mas essa salada merecia ser comentada porque estava sensacional.
Salada de tomate |
Depois daqui seguimos mais uns 10-15 minutos até chegarmos em um hotel - super chique e com certeza caro - que tinha um serviço de transporte para o outro lado do lago. Negociamos por K 5.000 para nós dois e as duas bicicletas. A travessia durou uma 1/2 h e embora tenha sido bonita não foi tão incrível quanto no próximo dia, por isso vou deixar pra mostrar mais pra frente.
Saindo do "lago" particular do hotel |
Quando eu falei que a especialidade deles era produzir tomates eu não estava brincando mesmo. Além das enormes plantações sobre a água vimos vários barcos carregados até a boca de tomates.
Tomates sendo descarregados |
Continuamos nosso roteiro passando por uma pequena simpática vila parte sobre a água e parte em terra. Passamos por uma escola e no que algumas crianças nos viram começaram a gritar "Hello, hello!" e nós obviamente respondemos de volta. Nisso todas as crianças começaram a sair da sala de aula correndo pra nos ver. Foi engraçado porque depois só deu a professora gritando que nem louca pra eles voltarem e daí decidimos parar de causar na aula dela.
Crianças saindo da aula para nos ver |
Recomendado também pela dona da nossa 'guesthouse' decidimos matar o pôr-do-sol numa vinícola - talvez a única - da região chamada Red Mountain Estate. Chegar até lá foi um sacrifício porque ela fica no topo de um morro e as nossas bicicletas só atrapalharam pra subir.
Obviamente o bar da vinícola vendia os vinhos produzidos e resolvemos testar até escurecer. Tomamos duas garrafas, uma de tinto Inlé e um outro branco que eu não me lembro. Os preços variavam entre K 7.500-8.000, o que é bem barato na prática. Nem eu nem o Bart somos especialistas na coisa mas pareciam ser muito bons.
Vinho Made in Myanmar |
Logo começou a ficar mais escuro e embora as nuvens tentassem fazer com que não houvesse pôr-do-sol em contra-partida elas criaram um grande efeito de cores e luzes que no final foi muito bonito.
Pôr-do-Sol em Inle Lake |
Voltamos até chegar perto da nossa 'guesthouse' e daí resolvemos comer no caminho mesmo num restaurante que estava lotado de estrangeiros. Gastamos em torno de K 5.000 os dois o que é uma quantia boa e dentro do orçamento. Encerramos aqui o 1o dia.
Tour no 2o dia
Passeio de barco
O tour mais óbvio dessa região é sem dúvida o passeio de barco pelo lago, vilas e até mercados. Não fugimos da regra. Tivemos o tal falado excelente café-da-manhã - torradas, panqueca, omelete, etc. - e encontramos o nosso amigo britânico que também foi no mesmo barco. Aliás, foi muito bom que ele tenha ido porque o passeio custaria K 15.000 independentemente do número de pessoas e com ele gastamos apenas K 5.000 cada.
Saímos do pequeno cais no Nankand Canal que liga Nyaung Shwe até o lago de fato. Logo deu pra ver as transformações na paisagem e cenas como as fotos abaixo ficaram comuns. Algo muito interessante em Inle são o estilo peculiar dos pescadores remarem. Devido à presença de plantas e outros obstáculos na água é geralmente necessário que o pescador fique em pé. E como todo o transporte - e talvez boa parte do sustento - está baseado no lago, uma forma de fazer mais coisas ao mesmo tempo e mais rapidamente foi aprender a remar com a perna. Eventualmente eles jogam as redes ou tentam pescar com as duas mãos e apenas a perna faz o trabalho de remar.
Pescador remando com o auxílio da perna |
Homens pescando |
Plantação de tomate |
Mão e filho remando próximo às plantações |
Outra prática comum de ser observada no lago era a coleta de algas. A profundidade do lago é pequena e varia de 1,5 a 3,7 m durante a estação seca (agora) a até 5,2 m durante a cheia. Isso favorece bastante ao crescimento de plantas na superfície.
Homem coletando algas |
Após talvez uma 1/2 hora de viagem começamos a nos aproximar de vilas construídas sobre as águas. Nessas vilas há muitas pontes ligando as casas mas freqüentemente o único meio de transporte entre um lugar e outro são os barcos que fazem da água uma verdadeira avenida.
Não sei dizer se esse seria um estilo arquitetônico próprio do lago ou se você visitar qualquer lago em que as pessoas moram em cima dele no mundo vai ver casas desse jeito. Porém, era legal ver as cores e as formas das casas, a combinação de longe e as muitas estacas espalhadas até onde você pudesse ver.
A partir daqui a gente pode notar o quanto Myanmar ainda é um país recatado, fiel às tradições e sendo inexplorado é possível de fato ver as pessoas vivendo normalmente. Já alguma 'turistificação' das vilas com lojas e tal mas as pessoas no geral ainda estão indo pescar, plantar, etc., e fazendo as coisas do jeito que elas vêm fazendo há muitos anos.
Pela manhã, pais e mães costumam dar banhos nas crianças de um jeito bem natural. Passando sabão e colocando o pequeno na água do lago. Vimos mais do que duas vezes isso acontecendo e pude ficar muito feliz por ter a oportunidade de ver algo tão inocente e simples. Quase sempre eles retribuíam à mira das nossas máquinas fotográficas com sorrisos e "Hello!".
Mãe dando banho em criança |
Pai dando banho em bebê |
Não apenas bebês ou crianças mas também adultos tomando banho, ou adultos fazendo a barba, ou nesse caso, um adulto raspando a cabeça de uma monja.
Mercados
O passeio de barco tinha na verdade um objetivo, chegar até o mercado de Nam Hu a tempo de ver os nativos comprando e vendendo - especialmente as tribos que vêm das montanhas. O mercado termina às 10h.
A região do lago tem um esquema de rodízio entre 5 localidades diferentes que cada vez abrigam o mercado itinerante em um dia diferente da semana. Costumava haver um mercado flutuante autêntico no meio do lago em Ywama mas a presença crescente de turistas acabou descaracterizando o evento que virou um mercado de souvenir. Ou seja, se você quiser realmente ver um mercado tradicional fuja da opção da maioria dos turistas e busque os que forem longe e na terra.
Há um intenso comércio de lenha na entrada do mercado. No outro dia quando tivemos um almoço ao estilo nativo, vimos que dentro da casa há uma fogueira onde é utilizada lenha então provavelmente o uso é para cozinhar.
Como não poderia deixar de faltar, mais uma montanha de tomates sendo vendidos.
Nesse mercado pudemos chegar muito perto do povo Inthé, que são o povo original do entorno do lago Inle. Vimos muitas mulheres vestidas de preto com lenços coloridos na cabeça, sempre carregando todas as compras.
Próximo ao mercado há uma ladeira que leva até a Phaung Daw Oo Pagoda. Nada muito especial mas foi interessante acompanhar o povo local subindo as escadas indo de volta pra casa.
Depois disso iniciamos o retorno, só que como o lago tem 22 km de comprimento fomos parando em vilas, almoçamos e o nosso barqueiros fez questão de parar em trocentas lojas que pagam comissão pra ele. Essa parte das lojas foi meio pé no saco se não fosse por uma coisa: as mulheres de pescoço comprido.
Essas mulheres são da etnia Kayan, na região centro-leste de Myanmar, na divisa com a Tailândia. Desde crianças elas colocam anéis no pescoço, braços e pernas e vão alongando o pescoço até chegar em 22 anéis, que era o caso dessa mulher. Infelizmente essa etnia foi perseguida durante as décadas de 80 e 90, o que fez com que um grande número de pessoas fugissem pra Tailândia. Além disso, essa mulher estava servindo como um 'chamariz' para clientes na loja, o que é uma função um pouco deprimente para uma cultura tão rica.
Mulher da etnia Kayan |
Esse dia terminou com algumas cervejas e conversas bem interessantes. Pudemos conhecer melhor nosso amigo britânico e ver porque ele fazia parte do 'grupo das pessoas alternativas que conhecemos em Myanmar'. Ele trabalha pro Ministério de Relações Exteriores da Grã-Bretanha e morou 3 anos no Afeganistão - por vontade própria. Morou também na China e fez mochilão pelo Sudeste Asiático aos 19 anos. Não bastasse isso ele também viajou para Madagascar e a sua namorada - agora esposa - também morava no Afeganistão. Depois de Myanmar ele ainda iria pegar vários vôos entre Ásia, Oriente Médio e Europa pra ir pra Açores ver baleias. Depois, voltar até Dubai, encontrar a esposa e voltar pra Europa de novo.
Não bastasse nosso amigo o Bart conheceu um casal de holandeses diferente. Eles já viajaram por longos períodos e várias vezes para o norte da Índia, China e Nepal e na última vez pegaram o trem de Moscou até Beijing, passando pela Sibéria e Mongólia. Extremamente entendidos de budismo, meditação e coisas afins, já viram várias aulas do Dalai Lama na Europa e na Índia. Enfim, depois dessas vir morar em Phnom Penh no Camboja não pareceu tão diferente assim..
Tour no 3o dia
No nosso último dia em Inle não tínhamos tanto tempo pois por volta de 14h45 tínhamos que pegar um transporte até um pedaço da estrada onde às 17h nosso ônibus passaria indo pra Yangon.
Pra fazer dessa metade de dia que restava alguma coisa interessante contratamos um guia por K 8.000/pessoa incluindo almoço pra nos levar para uma caminhada pelas montanhas ao redor do lago e conhecer um pouco das pequenas vilas.
A caminhada se revelou bem mais cansativa do que esperávamos várias vezes e na maior parte do trajeto não é possível comprar mais água porque não há nada no caminho.
Eventualmente passamos por vilas e plantações e encontramos trabalhadores rurais indo de um lado pro outro. Nosso guia sempre se referia a eles e se comunicava com eles de uma forma muito amigável.
Por volta de 10h30 da manhã já estávamos mortos de fome porque havíamos acordado e tomado café-da-manhã muito cedo. Então paramos numa pequena casinha em que os guias levam seus grupos pra almoçar. Lá pudemos comprar mais água e descansar enquanto era preparada a comida.
Mulher Inthé prepara a comida em cozinha tradicional |
Durante toda nossa caminhada conversamos muito com o nosso guia Muy Úhn. Uma pessoa muito boa, educada, gentil e que falava muito bem inglês. Pudemos entender algumas práticas em Myanmar como por exemplo o fato de haver potes com água em quase todos os lugares. Segundo ele, dentro da prática do Budismo, as pessoas devem buscar doarem e fazerem coisas boas nessa vida para que possam ter uma vida melhor na próxima encarnação. Nessa ótica, uma pessoa rica e que leva uma vida confortável hoje é reflexo de boas ações no passado. Por isso as pessoas doam água todos os dias em muitos lugares. E, pelo fato de ser uma doação com tanto significado, as pessoas também se responsabilizam pela qualidade da água, que deve ser boa, fresca e trocada diariamente.
Outro ponto interessante foi os comentários dele sobre como é a vida na região. O pai dele é metade do ano agricultor com mais de 2.000 pés de tomate na beira do lago e na outra metade do tempo carpinteiro fazendo janelas, barcos, casas, etc. Ele trabalha como guia turístico, com caminhadas de 1/2 dia, 1 dia ou até 3 dias e também como moto-táxi.
Muy Úhn almoçando com a gente |
E aqui praticamente terminou nossa aventura por Myanmar. Tivemos uma rápida semana em tantos lugares diferentes mas que sem dúvida foi inesquecível. A chance de ver um país ainda 'intocado' é algo muito especial. As pessoas, as práticas e relações ainda são muito sinceras e males comuns das sociedades mais abertas ainda não se estabeleceram. Pra quem tiver tempo e dinheiro pra ir até lá, vale muito a pena!
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